Influência para várias gerações, o autor do Sítio do Pica Pau Amarelo ainda é uma boa porta de entrada para estimular o comportamento leitor da turma
Se você foi criança entre as décadas de 1930 e 1950, provavelmente foi
apresentado à literatura brasileira e infantil por meio de algumas obras
de Monteiro Lobato. Em uma época em que a televisão não existia ou
tinha presença limitada e quando a produção literária infantil era
moralizante, o autor paulista introduziu temas avançados e trouxe para o
cotidiano das crianças um universo de figuras femininas fortes, com uma
família estruturada de maneira não convencional, tolerante à opinião
das crianças e favorável ao progresso da sociedade.
Cinco motivos para ler Monteiro Lobato com os alunos |
Os elementos citados acima contribuíram para a construção de valores
como a liberdade religiosa e o respeito à mulher para as gerações que
hoje estão na casa dos 40 aos 70 anos. José Nicolau Gregorin Filho,
professor da USP especialista em literatura infantil, explica que esta
influência é possível porque a leitura tem uma função de identificação.
"O indivíduo reconhece questões humanas em um texto literário e é
instigado a pensar como vivenciaria isso".
Se a leitura de Lobato foi tão importante para as crianças da primeira
metade do século 20, ela ainda é atraente para a formação dos pequenos
leitores.
A seguir, veja cinco razões para apresentar as obras do escritor aos alunos:
1. As histórias são narradas como fábulas
Em Monteiro Lobato livro a livro, os pesquisadores Marisa Lajolo e João
Luís Ceccantini mostram uma carta que o escritor enviou a Godofredo
Rangel em 1916. Nela, Lobato manifesta a vontade de "vestir à nacional"
as fábulas de Esopo e La Fontaine diante "da atenção curiosa com que
meus pequenos ouvem as fábulas que Purezinha lhes conta. Guardam-nas na
memória e vão recontá-las aos amigos".
A fábula é uma narrativa breve e simples, cuja conclusão gera, pelas
ações dos personagens e pelas situações impostas, uma lição de moral. Ao
optar por esta forma de narrativa, Lobato escolheu mostrar a natureza e
a cultura do nosso país. Para ir além do formato tradicional, em suas
histórias é possível conhecer os pontos de vista de vários personagens a
respeito de uma fábula contada por outro personagem. Ele conta uma
história dentro da história. Veja o exemplo:
- Eis aqui meus filhos, outra fábula bem boa - disse Dona Benta - O mundo está cheio de orgulhosos deste naipe.
- Que é naipe? - quis saber Narizinho.
- É um termo usado para as cartas de jogar. Há quatro naipes: ouro, espadas, copas e paus.
- Então naipe quer dizer "qualidade", "tipo"? Do mesmo naipe quer dizer do mesmo tipo?
- Exatamente.
- E igualha, vovó?
- É sinônimo de naipe.
- Então porque a senhora não diz logo "qualidade" em vez de "naipe" e "igualha"?
- Para variar, minha filha. Estou contando estas fábulas em estilo
literário, e uma das qualidades do estilo literário é a variedade.
Conversa entre Narizinho e Dona Benta - Fábula "Os dois burrinhos" em Novas Reinações de Narizinho (1933).
2. Há personagens femininos fortes e famílias como as de hoje
Quem lê Lobato logo percebe a força das figuras femininas como Dona
Benta, Narizinho e Emília. O núcleo familiar do Sítio é liderado por uma
mulher, Dona Benta, que exerce sua autoridade sem deixar de ser
acessível. Os pais de Pedrinho quase não são citados e nem Dona Benta,
nem Tia Anastácia são casadas.
Se na época em que os livros foram escritos, a situação dos personagens
do Sítio do Pica Pau Amarelo parecia ‘avançada’, muitas famílias de hoje
têm estruturas semelhantes. Maria Cristina Lopes, diretora do Museu
Monteiro Lobato, em Taubaté, a 130 quilômetros de São Paulo, diz que
esta identificação é percebida na fala das crianças que visitam o museu,
em perguntas como "onde está a mãe da Narizinho?". "Sob este aspecto,
as obras de Lobato são muito modernas e têm a ver com as famílias do
presente", conta a diretora.
3. As obras dão voz às crianças
Emília é uma boneca criativa e contestadora que, assim como as duas
crianças do Sítio, não é repreendida por dar sua opinião e sustentar
atitudes participativas. O professor José Gregorin Filho a compara a
outro boneco famoso, o Pinóquio - com a diferença de que este foi punido
por seus atos. Gregorin conta, também, que alguns estudos indicam que
Emília era "uma espécie de voz do próprio Monteiro Lobato".
4. Os livros contemplam conteúdos didáticos
Sistemas de busca
Alguns títulos como Aritmética da Emília, Emília no país da Gramática e
Histórias do mundo para crianças tratam de temas que os alunos verão na
escola. O livro de Lajolo e Ceccantini destaca que a obra História do
mundo para crianças - na qual Dona Benta narra fatos históricos aos
moradores do Sítio - tem a capacidade de proporcionar boas oportunidades
de reflexão e questionamento sobre a ordem mundial da época. Os
professores sugerem a contextualização dos conteúdos apresentados no
livro sob o ponto de vista da matriarca, como a descoberta do petróleo e
as Guerras Mundiais.
5. Lobato enaltece e defende a natureza
O Museu Monteiro Lobato, em Taubaté, fica no sítio onde o escritor
passou a infância. "Uma das coisas que mais agradam as crianças quando
visitam o Museu é o contato com a natureza", conta Maria Cristina. Se o
fantástico para as crianças de ontem estava nas situações inusitadas
vividas no Sítio, hoje, o ambiente rural, diferente do urbano onde a
maioria vive, é motivo para encantamento. Além disso, a defesa e o
enaltecimento de elementos da natureza são recorrentes nas obras de
Lobato, conforme o exemplo:
- Pois é. Estava "mimetando" um galho seco. Mimetismo é isso. Não
conhece aquelas borboletas carijós que se sentam nas árvores musguentas e
ficam ali quietinhas? Musgo, não. Líquem. Líquem! O Visconde não quer
que a gente confunda musgo com líquem.
Da personagem Emília em A Chave do Tamanho, p. 35 (1945)
Escrito por: Camila Camilo
Fonte: Nova Escola
Influência para várias gerações, o autor do Sítio do Pica Pau Amarelo ainda é uma boa porta de entrada para estimular o comportamento leitor da turma
Se você foi criança entre as décadas de 1930 e 1950, provavelmente foi
apresentado à literatura brasileira e infantil por meio de algumas obras
de Monteiro Lobato. Em uma época em que a televisão não existia ou
tinha presença limitada e quando a produção literária infantil era
moralizante, o autor paulista introduziu temas avançados e trouxe para o
cotidiano das crianças um universo de figuras femininas fortes, com uma
família estruturada de maneira não convencional, tolerante à opinião
das crianças e favorável ao progresso da sociedade.
Cinco motivos para ler Monteiro Lobato com os alunos |
Os elementos citados acima contribuíram para a construção de valores
como a liberdade religiosa e o respeito à mulher para as gerações que
hoje estão na casa dos 40 aos 70 anos. José Nicolau Gregorin Filho,
professor da USP especialista em literatura infantil, explica que esta
influência é possível porque a leitura tem uma função de identificação.
"O indivíduo reconhece questões humanas em um texto literário e é
instigado a pensar como vivenciaria isso".
Se a leitura de Lobato foi tão importante para as crianças da primeira
metade do século 20, ela ainda é atraente para a formação dos pequenos
leitores.
A seguir, veja cinco razões para apresentar as obras do escritor aos alunos:
1. As histórias são narradas como fábulas
Em Monteiro Lobato livro a livro, os pesquisadores Marisa Lajolo e João
Luís Ceccantini mostram uma carta que o escritor enviou a Godofredo
Rangel em 1916. Nela, Lobato manifesta a vontade de "vestir à nacional"
as fábulas de Esopo e La Fontaine diante "da atenção curiosa com que
meus pequenos ouvem as fábulas que Purezinha lhes conta. Guardam-nas na
memória e vão recontá-las aos amigos".
A fábula é uma narrativa breve e simples, cuja conclusão gera, pelas
ações dos personagens e pelas situações impostas, uma lição de moral. Ao
optar por esta forma de narrativa, Lobato escolheu mostrar a natureza e
a cultura do nosso país. Para ir além do formato tradicional, em suas
histórias é possível conhecer os pontos de vista de vários personagens a
respeito de uma fábula contada por outro personagem. Ele conta uma
história dentro da história. Veja o exemplo:
- Eis aqui meus filhos, outra fábula bem boa - disse Dona Benta - O mundo está cheio de orgulhosos deste naipe.
- Que é naipe? - quis saber Narizinho.
- É um termo usado para as cartas de jogar. Há quatro naipes: ouro, espadas, copas e paus.
- Então naipe quer dizer "qualidade", "tipo"? Do mesmo naipe quer dizer do mesmo tipo?
- Exatamente.
- E igualha, vovó?
- É sinônimo de naipe.
- Então porque a senhora não diz logo "qualidade" em vez de "naipe" e "igualha"?
- Para variar, minha filha. Estou contando estas fábulas em estilo
literário, e uma das qualidades do estilo literário é a variedade.
Conversa entre Narizinho e Dona Benta - Fábula "Os dois burrinhos" em Novas Reinações de Narizinho (1933).
2. Há personagens femininos fortes e famílias como as de hoje
Quem lê Lobato logo percebe a força das figuras femininas como Dona
Benta, Narizinho e Emília. O núcleo familiar do Sítio é liderado por uma
mulher, Dona Benta, que exerce sua autoridade sem deixar de ser
acessível. Os pais de Pedrinho quase não são citados e nem Dona Benta,
nem Tia Anastácia são casadas.
Se na época em que os livros foram escritos, a situação dos personagens
do Sítio do Pica Pau Amarelo parecia ‘avançada’, muitas famílias de hoje
têm estruturas semelhantes. Maria Cristina Lopes, diretora do Museu
Monteiro Lobato, em Taubaté, a 130 quilômetros de São Paulo, diz que
esta identificação é percebida na fala das crianças que visitam o museu,
em perguntas como "onde está a mãe da Narizinho?". "Sob este aspecto,
as obras de Lobato são muito modernas e têm a ver com as famílias do
presente", conta a diretora.
3. As obras dão voz às crianças
Emília é uma boneca criativa e contestadora que, assim como as duas
crianças do Sítio, não é repreendida por dar sua opinião e sustentar
atitudes participativas. O professor José Gregorin Filho a compara a
outro boneco famoso, o Pinóquio - com a diferença de que este foi punido
por seus atos. Gregorin conta, também, que alguns estudos indicam que
Emília era "uma espécie de voz do próprio Monteiro Lobato".
4. Os livros contemplam conteúdos didáticos
Sistemas de busca
Alguns títulos como Aritmética da Emília, Emília no país da Gramática e
Histórias do mundo para crianças tratam de temas que os alunos verão na
escola. O livro de Lajolo e Ceccantini destaca que a obra História do
mundo para crianças - na qual Dona Benta narra fatos históricos aos
moradores do Sítio - tem a capacidade de proporcionar boas oportunidades
de reflexão e questionamento sobre a ordem mundial da época. Os
professores sugerem a contextualização dos conteúdos apresentados no
livro sob o ponto de vista da matriarca, como a descoberta do petróleo e
as Guerras Mundiais.
5. Lobato enaltece e defende a natureza
O Museu Monteiro Lobato, em Taubaté, fica no sítio onde o escritor
passou a infância. "Uma das coisas que mais agradam as crianças quando
visitam o Museu é o contato com a natureza", conta Maria Cristina. Se o
fantástico para as crianças de ontem estava nas situações inusitadas
vividas no Sítio, hoje, o ambiente rural, diferente do urbano onde a
maioria vive, é motivo para encantamento. Além disso, a defesa e o
enaltecimento de elementos da natureza são recorrentes nas obras de
Lobato, conforme o exemplo:
- Pois é. Estava "mimetando" um galho seco. Mimetismo é isso. Não
conhece aquelas borboletas carijós que se sentam nas árvores musguentas e
ficam ali quietinhas? Musgo, não. Líquem. Líquem! O Visconde não quer
que a gente confunda musgo com líquem.
Da personagem Emília em A Chave do Tamanho, p. 35 (1945)
Escrito por: Camila Camilo
Fonte: Nova Escola
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